segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O campanário e a rosa dos ventos: entre a aldeia e o planeta

Fonte: Laudator Temporis Acti (link)

Estou lendo uma lista de seis livros para um processo de seleção, já comentei aqui e aqui sobre as leituras. Hoje, terminei mais um e então me permiti escrever esse post que quero escrever desde a metade do livro e não o fazia, pois tinha que ler, tinha que ler, tinha que ler... Na verdade, quero citar um trecho do livro que achei maravilhoso, até poético, apesar de o livro ser sobre o discurso das mídias. O capítulo "O espaço entre ubiquidade e proximidade" trata das informações reportadas pelas mídias em relação ao espaço geográfico, ou seja, alguns veículos priorizam os acontecimentos locais, outros os nacionais e outros ainda os internacionais. O autor comenta que isso ainda se deve verificar, mas que há uma idéia de que a proximidade geográfica é um fator de apreciação da importância de uma notícia. (CHARADEAU, 2007). Em seguida, o autor reflete sobre o dilema entre egocentrismo e desejo de ubiquidade, presente nos seres humanos:


Fonte: Map Arquive (link)

Essa questão do espaço revela, de maneira geral, o antagonismo que existe no ser humano, pois este se debate entre dois imaginários para modelar sua identidade: o da aldeia e o do planeta. A aldeia, símbolo da força de campanário conservadora, que lança raízes da identidade bem fundo na terra mãe, a terra dos ancestrais, da família, dos vizinhos, dos amigos, das relações íntimas; a aldeia que delimita o horizonte de vida, o campo de ação do homem, àquilo que lhe é mais próximo, em que ele pode tocar ou reconhecer imediatamente como familiar. O imaginário do planeta, símbolo do desejo de expansão, de expansão para outros horizontes, e que, inversamente à força do campanário, não deixa que as raízes cheguem a se firmar e faz com que o homem, como a rosa dos ventos, deixe-se levar através do espaço; o planeta que abre o horizonte de vida, o campo de ação do homem àquilo que é diferente, distante, exótico, que ele pode perseguir numa busca sem fim, vivendo permanentemente por procuração os mundos e os heróis que inventa para si. (CHARADEAU, P., 2007, p.136-137).

Com outro enfoque, é o mesmo que o Chico Buarque diz na música "Tanto amar":

[...] É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro [...]

É assim mesmo, a gente quer, mas  não quer; quer e não quer; quer, contudo, não quer... Enfim,

[...] Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita

Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita

A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita [...]


Se pensarmos nos imaginários que os dois símbolos evocam, há um paradoxo, que não foi mencionado pelo autor, mas que ilustra bem esse antagonismo, unindo os dois imaginários em um único símbolo: alguns campanáios têm uma rosa dos ventos no alto.

[...] Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra





REFERÊNCIAS

BUARQUE, Chico. Tanto amar. [S.L.]: Marola Edições Musicais Ltda.,1981. Disponível em: http://www.chicobuarque.com.br/letras/tantoama_81.htm. Acesso em: 12 set. 2011.


CHARAUDEAU, Patrick. O Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2007.

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